terça-feira, julho 30, 2013

No Zero Hora: Entrevista com Rodrigo Garcia Lopes


A caneta é o violão30/07/2013 | 17h05

O poeta e compositor Rodrigo Garcia Lopes lança novo álbum

No ótimo "Canções do Estúdio Realidade", o poeta, compositor e tradutor visita a canção popular com desenvoltura

O poeta e compositor Rodrigo Garcia Lopes lança novo álbum Elisabete Ghislen/Divulgação
Foto: Elisabete Ghislen / Divulgação
Doze anos depois da estreia em disco, o paranaense Rodrigo Garcia Lopes volta a lançar um álbum musical. No ótimo Canções do Estúdio Realidade, o poeta, compositor e tradutor visita a canção popular com desenvoltura, explorando as características específicas do gênero sem cair na armadilha de fazer mera poesia musicada.
– Sobre a velha celeuma se letra de canção é poema: se uma canção se sustentar no papel, é poema. Se um poema não se sustentar cantado, não é uma canção. Como poeta brasileiro, não pude me furtar à tentação da canção, como diz Luiz Tatit. O violão, que toco desde os 11 anos, é minha caneta para compor canções – diz Garcia Lopes em entrevista a ZH.
Com arranjos e direção musical de André Siqueira, o álbum reúne 12 composições do autor, além de parcerias com Neuza Pinheiro (Butterfly), Bernardo Pellegrini(Iluminações) e Paulo Leminski (Adeus).
– Conheci Leminski aos 18 anos, e a experiência me marcou profundamente. Ele tinha uma contundência e "o que dizer em poesia" que é rara hoje em dia, num meio poético e literário onde sobra pose e falta poesia – afirma.
No disco, Garcia Lopes canta e toca violão, acompanhado de banda, e os temas ecoam estilos como jazz, funk, rap, blues, MPB e música instrumental. Um destaque éNinguém Melhor que Ela, deliciosa versão jazzística de Nobody Does It Better, tema do filme 0007 – O Espião que me Amava, celebrizado na voz de Carly Simon.
– Foi uma batalha conseguir gravar minha versão, e o próprio maestro (o compositor americano Marvin Hamlisch) ouviu-a e aprovou com a tradução literal e a gravação final que enviei, o que me deixou feliz.
Outra referência cinematográfica é a labiríntica Vertigem (Um Corpo que Cai), que lembra a música de Bernard Herrmann, o compositor predileto de Alfred Hitchcock. Já o título Canções do Estúdio Realidade é uma citação ao bordão "Assaltem o Estúdio Realidade e retomem o universo", utilizado por William S. Burroughs em algumas de suas obras – Garcia Lopes entrevistou o escritor americano em 1992, e os romances experimentais do ícone da literatura beat foram tema de sua tese de mestrado na Arizona State University.
– Não sou um compositor prolífico como gostaria de ser. Se não tiver o que dizer num poema ou numa canção, não faço – justifica Garcia Lopes, explicando a razão para tanta demora entre Polivox (2001) e o novo disco.
Confira entrevista com Rodrigo Garcia Lopes:
Zero Hora _ Quais são as diferenças entre compor canção e escrever poesia? O que é mais difícil: musicar um poema ou criar uma música original?
Rodrigo Garcia Lopes _ Muitas diferenças. Pra começar, vejo a canção como uma simbiose entre voz, música e palavra. Envolve duas artes que nem sempre funcionam juntas, mas que nasceram juntas. Sobre a velha celeuma sobre se letra de canção é poema: se uma canção se sustentar no papel, é poema. Se um poema não se sustentar cantado, não é uma canção. Acho que, como poeta brasileiro, eu não pude me furtar à tentação da canção, como diz o Luiz Tatit. É algo natural pra mim. O violão, que toco desde os 11 anos, é minha caneta para compor canções.
ZH _ Por que tanto tempo entre a estreia em disco com Polivox e esse disco?
Garcia Lopes _ Porque não sou um compositor prolífico como gostaria de ser. A arte tem o tempo dela para acontecer. Eu acredito em trabalho autoral na música. Se eu não tiver o que dizer num poema ou numa canção, não faço. Por outro lado, se sinto que compor poesia vai ficando cada vez mais difícil, uma canção, muito mais. Espero que isso mude.
ZH _ O título Canções do Estúdio Realidade é uma referência a William S. Burroughs, escritor que você entrevistou. Explique um pouco esse conceito-referência _ e também sua relação com esse ícone beat.
Garcia Lopes _ Entrevistei Burroughs em 1992 e seus romances experimentais foram tema de minha tese de mestrado na Arizona State University. "Assaltem o Estúdio Realidade e retomem o universo" aparece como exortação ou bordão nos romances cut-up dele, surge como uma crítica ou antevisão deste nosso mundo complexo, televigiado e onde os meios de comunicação de massa cada vez mais borram o que é ficção de realidade. Eu aproprio o termo de Burroughs como uma metáfora para os tempos em que vivemos. São as canções deste nosso estúdio realidade.
ZH _ Uma das melhores faixas do disco é uma versão do clássico romântico Nobody Does It Better, celebrizada na voz de Carly Simon. A ideia era mostrar que um artista de formação literária como você também pode curtir e circular com desenvoltura pelo universo pop?
Garcia Lopes _ Foi uma batalha conseguir gravar minha versão, e o próprio maestro (o compositor americano Marvin Hamlisch) ouviu-a e aprovou com a tradução literal e a gravação final que enviei, o que me deixou feliz. Tenho um problema com a palavra "pop", porque ela passa a ideia de algo superficial, de algo que não fica, de bolha de sabão, POP!, sabe, e acho que vem daí a sugestão do termo, se não me engano. E eu já quero que meus poemas e canções, todos, se possível, ou alguns, fiquem. Se conseguirem difusão entre o máximo de pessoas, melhor. Hoje nossa Idade Mídia possibilita isso. Vivemos uma saturação de poesia e de música que nos pede uma curiosidade de um aventureiro entrando numa densa floresta. Por outro lado, nunca curti a ideia da poesia como torre de marfim. E acho, sim, que a poesia tem que comunicar. Nem que seja, e isto já basta, poesia como "arte da linguagem", nosso habitat comum enquanto humanos, uma necessidade estética da consciência, como diria Macedonio Fernandez. E o leitor e o ouvinte têm que sair da inércia em que se encontram.
ZH _ Outra referência evidente da cultura popular em sua obra está na canção Vertigem (Um Corpo que Cai). Explique esse fascínio pelo filme de Alfred Hitchcock.
Garcia Lopes _ Acho o cinema rico como gatilho para poemas, canções, cenas, diálogos, o que for. Tudo é, de alguma forma, adaptação. Um processo. Poemas podem virar canções que podem virar filmes, cada vez mais estamos vivendo isso. Escrevendo esse romance policial isso ficou ainda mais claro pra mim. Hitchcock é o mestre do suspense, e, embora tenha uma mininarrativa embutida ali, ela dialoga ao mesmo tempo com o poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens.
ZH _ Em Canções do Estúdio Realidade, a qualidade e a variedade musicais merecem tanta atenção quanto as letras e os poemas. Comente esse aspecto do seu trabalho.
Garcia Lopes _ É, isso foi pensado também. Não bastava a qualidade poética, que é obrigação minha, como poeta. Eu queria que o disco expressasse também meu trabalho de composição ao violão, assumir sem frescura a coisa do intérprete, que expressasse meu diálogo musical e aprendizado com mestres que me fizeram a cabeça e o coração. Há um cuidado especial com os arranjos do André Siqueira, que respeitou bastante as canções tal qual foram compostas. O resultado final do disco é um processo coletivo, mais de 13 músicos partciparam, e isso também o diferencia de um poema. O disco reflete uma polifonia e busca por uma multiplicidade de registros que acredito marcar a poesia que publiquei, e nem poderia ser diferente, pois sempre fui eclético em meus gostos musicais, com predileção pelo jazz, pela canção brasileira, pelos ritmos negros, pela coisa espanhola, talvez. Cada poema e cada letra de canção pede uma irmã ou irmão. No disco tem balada folk, jazz, blues, mas tem também afoxé, e algo de música erudita, funk (mas não o carioca). Acho que com esse trabalho quis dar meu depoimento pessoal sobre as possibilidades aindas abertas da canção brasileira, vistas sob o ponto de vista de um cantautor, ou seja, de um poeta que interpreta suas próprias canções.
ZH _ Paulo Leminski é lembrado na parceria em Adeus. Fale um pouco sobre a importância do poeta em seu trabalho.
Garcia Lopes _ Leminski é referência importante não só para mim, mas para inúmeros poetas de minha geração. Eu o conheci aos 18 anos, e a experiência me marcou profundamente. Ele tinha uma contundência e "o que dizer em poesia" que é rara hoje em dia, num meio poético e literário onde sobra pose e falta poesia. Acho que está hoje gozando hoje do prestígio merecido, apesar do pessoal que não gosta do Polaco.
ZH _ Quais são seus próximos projetos musicais e literários?
Garcia Lopes _ Por ora, divulgar o livro de poemas que acabo de lançar pela 7Letras, do Rio, Estúdio Realidade, que é meu primeiro livro de poemas desde 2004. E aguardo a publicação do meu primeiro romance policial, O Trovador, que me consumiu nos últimos anos. E estou começando a trabalhar num novo projeto, um livro de poemas que vai se chamar Experiências Extraordinárias.
ZH _ Você tem planos de apresentar o show desse disco aqui em Porto Alegre?
Garcia Lopes _ Estou louco para fazer um show em Porto Alegre. Toda vez que fui, fui muito bem recebido. Estou tentando há alguns meses levar o show, já vi várias possibilidades, mas não está sendo fácil. Talvez seja um trabalho muito específico. Não acho. Eu gostaria muito de tocar em Porto Alegre, cidade que admiro e onde tenho vários amigos. E também porque o maior compositor da minha geração, Vitor Ramil, meu amigo, é gaúcho.

Canções do Estúdio Realidade
CD, Tratore
12 músicas, R$ 29,90 média
Cotação: 4, de 5 estrelas
SEGUNDO CADERNO

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