sexta-feira, novembro 07, 2014

Resenha de O TROVADOR (Record) no Valor Econômico

Crimes entre a civilização e a barbárie

Por Gonçalo Junior | Para o Valor

Lopes: narrativa envolvente para contar história passada nos anos 1930 em Londrina


Fluência e certa naturalidade narrativa são algumas das principais características do romance policial "O Trovador", que marca a estreia nesse gênero do tradutor, poeta e prosador paranaense Rodrigo Garcia Lopes. O livro tem méritos em um contexto literário brasileiro marcado pelo modismo de certo experimentalismo exagerado, pretensioso e confuso surgido a partir da década de 1990. Ou seja, o esnobismo intelectual e pouco talento para narrativas de fôlego, disfarçados na complexidade de tramas difíceis de ser compreendidas e pouco sedutoras.
Lopes foge do que se poderia chamar de literatura tortuosa, ao seguir um caminho oposto: seus escritos estão amparados na combinação eficiente das palavras e das frases, que funciona por meio de certo tom lírico. Em especial, nas passagens descritivas, que dão mais solidez à história que se quer contar.
Ele escreve com elegância e estilo. Dá ao leitor o prazer em acompanhar suas peripécias literárias, em situações improváveis, mas que funcionam. Seu desafio foi enorme se considerar que ele optou por contar uma história policial, ambientada em sua cidade natal, Londrina, na década de 1930. O protagonista é Adam Blake, escocês tradutor e intérprete que fala português e está na cidade a serviço da companhia britânica Paraná Plantations Limited - que existiu de verdade e se chamava Companhia de Terras Norte do Paraná. O mistério que lhe cabe desvendar envolve figuras históricas importantes e se desdobra em crimes aparentemente sem solução. Tudo é conduzido a partir de uma rigorosa pesquisa documental, que acaba por permitir uma visualização mais precisa e deixa a narrativa mais envolvente.
A trama se passa durante a colonização do norte do Paraná, quando foi importante o papel da Paraná Plantations. O assassinato que deflagra a investigação de fato aconteceu e ficou famoso na época. A vítima foi o contador da companhia inglesa e a apuração passa a ser coordenada pelo próprio governo inglês, que dá a missão a Blake. Ele se aventura como detetive, em parceria com o delegado brasileiro de sobrenome Silva. Os dois acabam por descobrir coisas bem mais erradas que a simples eliminação de um estrangeiro.
Para costurar a trama, Lopes se serviu da visita ao Paraná, verdadeira, do então príncipe de Gales e futuro rei da Inglaterra, Edward VIII, ao Paraná e o inseriu na trama - a introdução do livro, por exemplo, ocorre em Londres. Desse modo, o autor busca seu propósito de ligar a história ao nascimento da "Pequena Londres", como foi depois batizada - Londrina -, cidade que nasceu como um ajuntamento de raças de todo o planeta que vieram desbravar os confins paranaenses. Como se passaram 80 anos da trama até a atualidade, é de imaginar o trabalho que deu para Lopes reconstruir o período, seu trunfo para seduzir o leitor.

Nessa mistura entre a Inglaterra civilizada e o Brasil selvagem, entre a ficção e a história, Lopes mostra que o futuro rei teria colaborado com ascendente nazismo de Adolf Hitler e levaria à Segunda Guerra a partir de 1939, enquanto o protagonista se apaixona por uma prostituta brasileira. Ele faz algumas adequações, sem prejuízo da sua veracidade, como levar os príncipes Edward e James da Inglaterra a visitar Londrina em 1931. De fato, os dois estiveram no Estado, mas só foram perto da cidade e desistiram, por causa das dificuldades de acesso ao local.
Construído com elementos de erudição sem ser chato e referências dos clássicos romances de crimes, "O Trovador" é uma estreia de prosa longa em grande estilo. Ao contar boas histórias, pouco conhecidas, sobre um Brasil perdido, convence que certos supostos absurdos bem poderiam ter acontecido e tornado tudo mais interessante.

"O Trovador"

Rodrigo Garcia Lopes Record 406 págs., R$ 45,00 / BBB
AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco

Trechos

"Por dez minutos os faróis do carro cavaram um túnel de luz na estrada rumo ao Heimtal, um patrimônio a poucos quilômetros do centro, na zona norte da cidade. Quando estacionaram, a lua alta iluminava a cerca viva repleta de alamandas."

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"Blake levantou-se, devagar. Estudou os movimentos lentos do delegado, seus olhos aninhados por bolsões de gordura. Um molho de chaves tilintou. Silva abriu a cela, estendeu o braço como se fosse um garçom apresentando uma mesa e o convidou até sua sala."

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"Senhal? Uma palavra que dois trovadores compartilhavam, como uma forma de reconhecimento mútuo. Era usado também como um pseudônimo poético que os trovadores costumam utilizar para seu amor proibido."

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