terça-feira, março 03, 2015

"Experiências Extraordinárias" na Folha de Londrina

03/03/2015 -- 00h00

LEITURA - Acasos controlados

"Experiências Extraordinárias", livro de poemas de Rodrigo Garcia Lopes que será lançado na próxima semana, transforma o ordinário em extraordinário

Elisabete Ghisleni/Divulgação
"Cada poema é uma aventura diferente da que a precedeu. Por isso, cada um pede uma forma adequada para a sua viagem de leitura", define o poeta
Converter o ordinário em extraordinário através da linguagem. Essa é a proposta do londrinense Rodrigo Garcia Lopes em "Experiências Extraordinárias", seu novo livro de poesia lançado pela editoras Kan.

Com lançamentos agendados em várias cidades (Curitiba, São Paulo, Florianópolis), em Londrina o lançamento acontece no dia 10, às 19h, no Sesc Cadeião Cultural. Uma das novidades do livro está na volta dos haicais de Satori Uso, heterônimo criado pelo poeta em 1985 e transformado em filme pelo cineasta Rodrigo Grota em 2007.

Para Garcia Lopes, os poemas de "Experiências Extraordinárias" são um modo de investigação da realidade da linguagem. Autor dos volumes de poesia "Solarium", "Visibilia", "Polivox", "Nômada", "Estúdio Realidade" e do romance policial "O Trovador" (ambientado em Londrina dos anos de 1930), Rodrigo fala a seguir sobre o novo livro e a arte da poesia.

No livro você propõe transformar, através da linguagem, o ordinário em extraordinário. Como essa transformação acontece na poesia?

A poesia busca um estranhamento da linguagem comum, aguçar a desautomatizar nossas percepções. Ela também é uma forma de conhecimento e, para mim e muitos outros, uma reserva ecológica da linguagem humana. Ela também busca criar novas realidades, mas realidades que são feitas, curiosamente, de palavras. As mesmas palavras que eu uso para lembrá-lo de que é meia-noite, por exemplo, ou para vender um produto. A transformação da poesia se dá através de técnicas antigas, mas ainda vivas, de um arsenal de formas poéticas e recursos expressivos, de figuras de linguagem e técnicas para injetar a linguagem de sentidos.

Em "Experiências Extraordinárias" há a proposta de a poesia dialogar com temas mundo atual, como a banalização da violência, a sociedade do espetáculo, o bombardeamento de informações, o culto às celebridades, etc. Você acha que essas questões estão de fora da poesia brasileira contemporânea?

Digamos que elas andaram sumidas, mas nos últimos tempos têm voltado a circular na poesia de alguns poetas, embora muitas vezes de modo forçada. A poesia brasileira andou cheia de paetês e caras e bocas nos anos 1990 e 2000, com os poetas escrevendo cada vez mais para outros poetas ou críticos, uma frescura danada, muitas vezes abalizada pela crítica e pela mídia, mas rala de forma e conteúdo, e com o pecado mortal de esquecer o leitor. Por outro lado, a atual intolerância e caretice, galopantes, a manipulação da mídia e sua influência massificante, a pornográfica violência e injustiça sociais brasileiras, não são coisas que podem passar batidas para um poeta. Mas também há um "anacronismo" proposital neste livro que é no mínimo, irônico, pois embaralha os tempos, com menções à "Odisseia", a Homero, alguma atmosfera épica, ou que remetem à Roma Antiga, à Arcádia, Horácio, Cabeza de Vaca... Sem dizer da forte presença da natureza, por exemplo, que é, de certa forma, atemporal. Há um poema que se chama, inclusive, a "História da Lua". Então, isso relativiza esta contemporaneidade do livro, que acho interessante. Afinal, em que tempos vivemos hoje? Que mundo é este? Será que os temas básicos da poesia e angústias humanas mudaram tanto assim?

Há muito tempo você não publicava haicais do heterônimo Satori Uso criado em 1985. Satori Uso está de volta?

Este novo lote de 52 haicais de Satori Uso foi descoberto na chácara da família Akiro, que o acolheu no norte do Paraná nos anos 40. A viúva de Akiro explicou que Satori escrevia os haicais em tiras de papel, que ele imediatamente jogava na natureza. Portanto, a obra que sobrou teve de ser literalmente recolhida pelos amigos e discípulos.

Parece que o haicai ficou meio que fora de moda nos últimos tempos...

É verdade que eles andaram meio banalizados na poesia brasileira ultimamente, mas não é culpa do haicai. Acho que, como forma concentrada, continua imbatível se bem feito, naquela acepção de Pound de poesia como síntese absoluta. Pois o haicai, e o poema em geral, é um GPS perceptivo que tem como uma das funções nos (re)ensinar a sentir, a nos maravilhar, a tornar o ordinário, extraordinário. Um software perceptivo em forma de palavras, para que nos ajude a navegar, nos posicionar, e chegar à poesia.

Em uma das seções do livro você aborda com ironia os bastidores do mundo literário. A mesquinhez também faz parte do mundo dos poetas?

Ah, com certeza. As pessoas têm a ideia de que o meio poético é sensível e civilizado, mas nesses meus anos de estrada aconteceram e acontecem coisas que fariam corar de vergonha qualquer gângster. Eu procuro abordar isso, em alguns poemas do livro, pelo viés do humor.

Este novo livro possui uma semelhança com seus livros anteriores: a polifonia. Você considera que a polifonia é uma característica de sua poética ou um tendência da literatura contemporânea?

Desde que comecei a escrever poesia para valer, há uns 35 anos, veio essa percepção de que, em poesia, não há métodos e formas de escrita superiores a outros. Por outro lado, em tempos em que a ideia de sujeito está em cheque, em que somos interceptados por fragmentos de linguagem o tempo todo, veio o desejo de desconstruir o conceito de "voz". Pode soar romântico, mas gosto da ideia do poeta como canal, ou "cavalo", ou "médium", ou do "eu é um outro" de Rimbaud, e na ideia poundiana de poesia como uma notícia que permanece como novidade. A própria poesia exemplifica, em sua variedade e diversidade, o que encontramos na natureza. A vida é uma coleção de instantes que não se repetem. Como querer que os instantes fossem captados de uma mesma maneira? Cada poema é uma aventura diferente da que a precedeu. Por isso, cada um pede uma forma adequada para a sua viagem de leitura. Não consigo criar uma fôrma e escrever todos os poemas numa única levada. Isso ainda não aconteceu.

Serviço:
"Experiências Extraordinárias"
Autor – Rodrigo Garcia Lopes
Editora – Kan
Páginas – 104
Quanto – R$ 25

Lançamento em Londrina
Quando – Dia 10, às 19h
Onde - Sesc Cadeião Cultural (R. Sergipe, 52)

Fragmentos:

TEMPOS DE CELEBRIDADE
Carlos, na próxima encarnação
Nascerei filho de alguém famoso.
E então, como um cão raivoso,
Não largarei o meu osso.
Quem disse que é preciso ler,
Ter talento? Não seja ridículo.
Esforço é coisa de otário.
Meu sobrenome será meu currículo.

Vou escrever uns poemas fofos
Umas cançõezinhas ordinárias
Com uma certeza: o Brasil nunca saiu
Das capitanias hereditárias.


de braços abertos
o pinheiro
recebe a manhã


outono agora
o que os olhos veem
já é memória


uma visita hesita
em cima do muro
lua de verão
Marcos Losnak
Especial para a Folha2

Nenhum comentário: