terça-feira, abril 02, 2013

SOBRE CANÇÕES DO ESTÚDIO REALIDADE, POR LUIZ CLAUDIO DE OLIVEIRA (CADERNO G-GAZETA DO POVO)


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Da coluna Acordes Locais, publicada às quartas-feiras, na Gazeta do Povo:

Elisabete Ghislen/Divulgação
Elisabete Ghislen/Divulgação / Rodrigo Garcia Lopes: ano de colheita artísticaRodrigo Garcia Lopes: ano de colheita artística
Abrir o disco “Canções do Estúdio Realidade”, de Rodrigo Garcia Lopes, é empreender uma viagem a um bom tempo da música. Um tempo que resiste na memória e no coração de uma bela canção. Entrar no Estúdio Realidade é como entrar em um livro, um bom livro.
Pela proximidade que tem com a literatura, o compositor, que também é escritor e tradutor, sabe da importância e do fetiche que tem o objeto livro. Manuseá-lo, o virar de páginas, mesmo o cheiro, o toque suave para sentir as ranhuras, as marcas deixadas pela impressão. Assim é o disco, no som, nas palavras, na melodia, na voz de Lopes. Uma mistura perfeita de sons e imagens - imagens literárias, inclusive.
É um trabalho que se traduz na palavra “álbum”. Eu sou dos que preservam o fetiche de ter um objeto cultural nas mãos. Acho isso bem melhor do que tê-lo só na nuvem. Gosto de respirar o pó de sebos, sentir a poeira na ponta dos dedos, mas também de sentir o cheiro de uma nova impressão e admirar o cuidado com a confecção de um projeto que se transformou em um objeto de arte.
“Canções do Estúdio Realidade” me deu o prazer da leitura, inclusive da leitura tátil, quase um braile, do virar de páginas para ler as letras de canções que se derramam em melodias finas feito um assobio, um canto de canário. Parabéns ao projeto gráfico de Marcos Losnak, sobre fotografias de Elisabete Ghisleni.
Folhear o disco e por os olhos nas canções nos envolve em um mundo paralelo. Como diz a frase de William S. Burroughs de onde o compositor retirou o nome do disco, “Assaltem o Estúdio Realidade ... e retomem o universo” (ele também mantém um blog chamado Estúdio Realidade). Um mergulho em um outro ambiente. O mistério e o fascínio da arte nos raptam.
Canção é palavra. Ou como diz Dante Alighieri, também citado no início do disco, “Canção: palavras postas em música”. Mas o mistério da arte se faz presente em cada folhear em cada assobiar de canção, nos ritmos e nas rimas, mas principalmente nas melodias que embalam palavras.
Ah, querido Chico Buarque, a canção não morreu. Ela passeia por aí alegre. Um tanto avoada, fora da realidade. Adolescente depois do primeiro beijo. Poesias assobiáveis. Palavra e poesia inseparáveis. Completam bodas de diamantes já no primeiro encontro.
Como desvendar as intenções do autor? A pergunta é de Arrigo Barnabé, na apresentação dos disco. A resposta elegante de Arrigo, deixo para quem comprar o disco.
Sem tentar desvendar intenções, aqui eu divido emoções e intuições. Neste álbum, Rodrigo faz o fundo musical para dançar com a poesia e com o cinema. Ou, com a palavra e com o olhar. Um olhar de poeta, que se assemelha ao olhar de criança ou ao olhar de um cineasta -- com algumas diferenças, enquanto o poeta busca significâncias, o cineasta se concentra nas imagens. Rodrigo junta significâncias, com imagem e canções. Literatura, cinema e música. Compre um, leve três.
Nas 12 canções há poucos parceiros. Paulo Leminski no poema musicado “Adeus”, Bernardo Pellegrini, em “Iluminações”, e Neuza Pinheiro, em “Butterfly”. E há ainda a excelente e, para mim, quase improvável versão de “Nobody Does It Better” (Marvin Hamlisch/ Carole Bayer Sager), que da voz cortante de Carli Simon a embalar saltos de mulheres desnudas na abertura do filme “O espião que me amava”, da série de James Bond, é reinterpretada com a voz de veludo, redonda, de Lopes, sem mexer na melodia.
“Canções do Estúdio Realidade” nos põe tanto na varanda da casa, pegando o ar que acalma a tarde inflamável de Londrina, quanto próxima de uma lareira de um apartamento que nos acolhe da atropelada e gélida correria de Nova York. Resgata-nos da realidade envolvendo-nos em canções e arte.

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